sábado, 18 de julho de 2020

"Histórias de Vida" - Conto

Olá, Gente!
Deixo aqui a minha participação no desafio dos Contos do Grupo Fábrica de Histórias.

Informações do Conto:
Título: Histórias de Vida
Autor: Ricardo Fernandes
Número de palavras: 603
Sinopse: As histórias de vida dos nossos avós, quando contadas, deixam-nos muitas coisas. Ao tornarmo-nos pais, ou avós queremos recontar essas histórias como se fossem contos. Alguns sentem-se bem ao recontá-las, não importa que no momento de as ouvirem pela primeira vez tenha sido mais aborrecido. As memórias ficam e temos necessidade de recontá-las. Eu recontei. E vocês?



As histórias de vida dos meus avós era fantástica. A avó Ana e o avô Alfredo conseguiam contar as suas histórias dolorosas de vida com uma serenidade inacreditável. Chegava a ser mágico. Eu era apenas um neto de dez anos a ouvir perto da fogueira totalmente maravilhado. Não importava a história que fosse, eu sempre ficava atento a ouvir, mesmo que fosse um rapaz irrequieto. Havia amor nas palavras deles, mesmo que algumas fossem mais tristes. Muitas vezes, a minha mãe surgia para me buscar, mas eu sentia-me bem em casa dos meus avós. Eles contavam as histórias deles, jogávamos às cartas, aquecíamos com o calor da fogueira. As tardes sombrias de inverno passavam-se bem.
Não havia muita coisa na casa dos avós. Era uma casa humilde. Uma casa de campo. Havia um colchão de palha e café de cafeteira quentinho. Bebia café com leite, afinal era apenas um jovem. Tinham cobertores quentes, só um bastava para aquecer o corpo de alguém. A avó comprava açúcar para o café quente e o avô ia pescar. Eu, às vezes, ia com ele, mas não sabia bem agarrar na cana de pesca. Era forte, mas não tão forte quanto o meu avô. Nunca sabia quando os peixes agarravam a cana. O avô nunca se chateava, nem quando era mais rebelde. Ele sorria. A minha avó ainda colocava um ar sério para mim, advertindo-me, e aí eu parava.
Quando o sol se punha vinha o cheirinho do café e da fogueira, dos avós e do amor que ali havia. Nunca foi preciso tabletes de chocolate, mas ela comprava sempre que eu ia visitá-los. Eu comia com satisfação, mas não era o mais importante para mim. Eu gostava de estar perto deles. Mesmo sem essas coisas que a avó comprava continuava a ser o meu sítio preferido. A avó tinha um cabelo curto e todo branco. O avô tinha barba branca e usava sempre um chapéu quando saía de dia. Não sabia dizer com quem a minha mãe mais se parecia. Ela parecia mais autoritária do que eles. Há uns tempos, ouvi que a minha avó era uma mãe autoritária, mas não conseguia acreditar. Acho que um neto que tenha bons avós nunca acredita que eles já foram pais rigorosos.
Em tempos de pandemia havia sempre alguns dias mais difíceis. Nesses dias as recordações eram normalmente mais fortes, mas eram também essas memórias que os inspiravam a contar-me mais coisas sobre a vida deles. Eu não me importava de ouvir histórias tristes. Um dia haveria de ser velhinho tal como o meu avô, com netos a correr pela casa. Tenciono contar todas estas histórias a eles. A pandemia irá passar e tudo ia ficar bem. Pelo menos, nessa altura pretendo que a pandemia esteja terminada. Tem que terminar.
Os meus avós diziam-me que a fogueira é um espírito. É o espírito dos avós, das almas que foram. Talvez eles se sentissem mais à vontade de me contar as histórias deles ao olharem para ela. Mas isso também não impedia nada. Mesmo sem fogueira, com os dias mais quentes, eles contavam-me as histórias deles também. Ás vezes na sala, sentados no sofá. Havia união, cooperação, amizade. Eles explicavam-me que só através de laços e valores fortes iríamos conseguir ultrapassar as dificuldades, incluindo a pandemia.

***

Às vezes sentado à mesa cheirava-me a café. Sentia o calor da fogueira. Levantava-me e ia até à fogueira. Sentia os meus avós. Eles tinham falecido há sete anos. Hoje casado e a olhar para a barriga da minha mulher sentia-me feliz. Eu iria contar todas as histórias dos meus avós ao meu filho.


Espero que tenham gostado!

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